Objetivo é atenuar sintomas da infecção nos doentes
Um grupo de pesquisadores dos hospitais Israelita Albert Einstein e Sírio-Libanês e da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) desenvolve um estudo para verificar se a utilização do plasma de pacientes recuperados de covid-19 pode atenuar sintomas da infecção nos doentes. O plasma é a parte líquida do sangue e, nesse caso, é classificado como plasma convalescente, de acordo com o jargão de especialistas da área.
De acordo com o diretor do banco de sangue do Sírio-Libanês, Silvano Wendel Neto, os cientistas propõem tratar o plasma de pacientes que apresentaram um quadro leve da infecção para ajudar aqueles que ainda estão doentes a produzir anticorpos contra o vírus. O plasma convalescente será introduzido no corpo dos pacientes enfermos mediante transfusão de sangue. O uso dessa substância segue regras estabelecidas pelos comitês de Ética em Pesquisa (CEPs), pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep) e pelo Conselho Federal de Medicina (CFM).
“Quando a gente é infectada por qualquer vírus, tem uma fase inicial de infecção propriamente dita e depois se recupera. Recupera-se porque, normalmente, produz anticorpos contra esse vírus, e isso dá, geralmente, uma proteção definitiva, perene, para o resto da vida”, explica o especialista.
“O que está acontecendo nessa grande epidemia é que temos uma grande quantidade de indivíduos que já tiveram a doença, já se recuperaram e, portanto, têm anticorpos circulantes em seu plasma e, ao mesmo tempo, temos pacientes que estão recentemente infectados, que apresentam a forma grave da doença, aquela que afeta, principalmente, o pulmão. O indivíduo não consegue respirar direito e tem que receber o auxílio de uma máquina, o ventilador [mecânico] e ficar na UTI [Unidade de Terapia Intensiva] por alguns dias, geralmente sete, oito, nove dias”, completa.
A intenção é aliviar os sintomas graves e também desafogar os leitos de UTI. “Tentar diminuir, portanto, a carga que o sistema de saúde está recebendo por parte da internação desses pacientes graves”, pontua o diretor.
Resultados promissores
Em nota divulgada na última sexta-feira (3), a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) destacou que pesquisadores dedicados a análises semelhantes já têm obtido “resultados promissores”. A autarquia pondera, entretanto, que as conclusões não podem ser encaradas como uma “comprovação definitiva sobre a eficácia potencial do tratamento”, devido à inobservância de critérios científicos rigorosos, como abrangência da amostragem. Segundo Wendel Neto, a China foi o país pioneiro nesse tipo de experiência.
Diferentemente dos estudos citados pela Anvisa, a pesquisa desenvolvida pelos órgãos paulistas possui um grupo de controle, que confere mais relevância aos resultados atingidos, por permitir que os pesquisadores mensurem os efeitos de uma intervenção – nesse caso, a introdução do plasma.
Trabalho experimental
Wendel Neto destaca que a pesquisa do grupo é “um trabalho experimental” e que, apesar de a equipe almejar um resultado satisfatório, não pode “prometer uma cura miraculosa” à população. O diretor do Sírio-Libanês informa que cerca de 100 ex-pacientes deverão doar plasma para o experimento e outras 100 pessoas deverão formar o grupo de controle.
“Essa terapia não é nova, já foi testada com várias infecções, em várias epidemias. Nos últimos 20 anos, foi testada para a epidemia de Sars [Síndrome respiratória aguda grave], em 2003; na África, para uma das epidemias de ebola, para infecção por H1N1, mas sempre foi testada em pequena escala, não em larga escala, e com resultados variáveis, mas que não são ruins. E a gente não está querendo promover a cura imediata desses pacientes, a gente quer contribuir, junto com uma série de outras medidas, para tentar reduzir a gravidade da doença. A gente está recebendo uma quantidade brutal de pacientes no sistema de saúde, não só no Brasil, mas no mundo inteiro”, acrescenta o diretor.
A Agência Brasil também solicitou ao diretor do Sírio-Libanês que elencasse quais comportamentos considera fundamentais para a contenção do vírus. Ele afirmou que, nos últimos dias, tem se “decepcionado” com o relaxamento de parte dos brasileiros quanto ao distanciamento social, porque avalia que permanecer em casa é, nesse momento, algo essencial para se evitar a transmissão do agente patogênico.
Requisitos para doação de sangue
Segundo Wendel Neto, para que uma pessoa possa doar sangue para o experimento, deverá seguir algumas regras. Serão aceitas doações de homens com idade entre 18 e 60 anos, peso corporal superior a 65 quilos, que tiveram teste positivo (RT-PCR) para o novo coronavírus e que estejam bem de saúde há, no mínimo, 14 dias. Também é exigido dos doadores que tenham apresentado um quadro leve de covid-19 ou mesmo que tenham se mantido assintomáticos.
Os voluntários também não podem ter contraído hepatite, doença de Chagas nem HIV durante a vida. O diretor esclarece que o sangue de mulheres não será coletado porque, se já tiverem passado por alguma gravidez, poderão ter desenvolvido anticorpos contra leucócitos, que podem causar reações pulmonares graves em pacientes com covid-19. “A gente não quer correr o risco de piorar o pulmão de alguém que já esteja com o pulmão afetado. Por isso, nesse primeiro momento, não estamos aceitando mulheres. Pode ser que, posteriormente, a gente expanda”, ponderou Wendel Neto.
Para se candidatar à doação, os interessados deverão entrar em contato com o banco de sangue do Hospital Sírio-Libanês, pelo telefone (11) 3394-5260. O atendimento é feito de segunda a sábado, das 7h às 16h, exceto feriados.
Os candidatos deverão responder, por telefone, um roteiro de perguntas, por meio do qual os atendentes poderão avaliar se estão aptos a fazer a doação de sangue. Se forem aprovados na avaliação preliminar, deverão comparecer ao local pessoalmente, em horário agendado pelos atendentes. Lá, farão uma nova avaliação e, então, serão encaminhados para a coleta da amostra de sangue que poderá confirmar se os pesquisadores poderão aproveitá-la para a pesquisa.
“Esse testes laboratoriais levam dez dias para ficarem prontos e, tão logo estejam qualificados do ponto de vista laboratorial, começamos a colher o plasma desses doadores”, finaliza Wendel Neto.